O Direito de Aprender na Escola.


O Direito de Aprender na Escola.

Toda criança aprende. A condição humana é aprendida. Há alguns equívocos muito presente nas tradições educacionais e pedagógicas atuais, a maioria deles sustentados por uma concepção inatista de aprendizagem. Fundamenta-se no pressuposto de que já nascemos com certas disposições para aprender ou não. Isso gera controvérsias e complexidades: alguns teriam as “capacidades” de aprendizagem, outros e outras não “teriam” estas qualidades, seriam “ausentes ou lacunares”.

Para nossa concepção de educação os chamados bloqueios de aprendizagem devem ser analisados em sua totalidade, muito mais como um problema da tradição pedagógica autoritária e da forma conservadora de organizar a escola e o currículo do que uma suposta “falha” da criança e do adolescente.

Hoje, a ditadura da sociedade tecnológica, a apelação consumista, a exposição banal da sexualidade, a raridade de espaços humanizadores, a lacuna na formação artística, teatral, musical, nas artes plásticas, faz com que a indústria cultural seja um grande poluente sonoro e visual, chegando aos corações e mentes das crianças, sem os necessários filtros dos pais, sem dispositivos de crítica da proposta pedagógica da escola, na direção de mostrar outra música, outro repertório, outras brincadeiras, outras danças etc.

Criar espaços de humanização, de exposição serena das crianças a outras coordenadas antropológicas, a outra atmosfera de sentido, outra música, de outra arte, de alegria, de teatro, de conversas, ajudam muito a “desbloquear” qualquer pessoa!  A escola, para mim, deve ter clareza de ser contraponto, competente e lúcido, à indústria cultural alienante e consumista. Mostrar os grandes mestres e mestras da humanidade, neste tempo especial de aprender, é um trunfo inaudito! O conhecimento sensível e a sensibilidade esclarecida são os condutores do afeto e da lucidez crítica. Ensinar a pensar e a sentir!

Não gosto muito de comparações espúrias, cada nação tem sua identidade e suas escolas. Mas, preciso reconhecer que algumas experiências históricas nos auxiliam a perceber a dinâmica da educação, moderna e contemporânea. As melhores escolas do mundo, da Finlândia, não tem a prática de mensuração e de classificação das crianças estritamente por notas, sobretudo concebidas como aquelas medidas que supostamente refletem a busca de rendimento individual e competitivo. A pedagogia ali dominante está focada na aspiração de que todas as crianças desenvolvam-se em sua faixa etária, a seu tempo e plenamente integradas ao seu grupo, etário, sócio-afetivo, psicológico e cognitivo; portanto, compreendidas num projeto de articulação grupal, social, coletivo.

As crianças são estimuladas a reagirem  a um currículo flexível e pluralista, num arco de possibilidades que engloba o rendimento de todas elas, na pluralidade do grupo, com diferentes tempos, com diversidade de apropriação e absorção. Há uns que prestam maior atenção a uma determinada forma de estimulação didática, outras desenvolvem diferentes reações, mas hoje as crianças desenvolvem plurissintonias, isto é, estão “ligadas” como as próprias multimídias que constantemente acessam, muitas vezes. Eu quero acreditar que todos os seres humanos, todas as pessoas são capazes de aprender; que os estímulos escolares, as aulas, os estudos, as pesquisas, as exposições, a vivência nos grupos, os debates, as conversas, os fatos do cotidiano, enfim, são diversos e podem ser apropriados de diferentes maneiras pelas crianças.

A maior motivação para a aprendizagem vem de imperativos éticos e estéticos de convencimento, realizados com profundidade pelos pais e pela escola. A educação escolar, a leitura, são exemplos que derivam da família. Uma família que não tem livros, pais que nunca leem, que só ficam nos celulares, consumindo tudo o que a indústria cultural oferece, produzirão filhos e filhos desta identidade: hedonistas, consumistas, exibicionistas.

Pais que saem com os filhos para os parques da cidade, que visitam sítios, museus, parques ecológicos, teatros, zoológicos, espaços de preservação do patrimônio artístico e cultural, que viajam para Inhotim, por exemplo, e apreciam um museu a céu aberto, que vão a Ouro Preto e absorvem a beleza desta cidade, tombada como patrimônio da humanidade, que visitam Goiás Velho e se enternecem na casa de Cora Coralina, como outro exemplo, dizem muitas coisas a seus filhos. Mais do que ir a Disney e Orlando, somente. Não critico quem vá a estes lugares. Mas fazer destes lugares o protótipo de lazer e turismo é para mim um sinal de pobreza cultural. Prática e sentido que igualmente as crianças aprendem com facilidade. As crianças tendem a reproduzir o universo familiar!

E, por fim, acredito que todas as crianças são capazes plenamente de aprender! Precisamos superar os ritos classificatórios e meritocráticos tradicionais. Eu já tive exemplos de superação exemplar e admirável. Os pais e professores podem começar avaliando o contexto pleno da criança, seu mundo, seus estímulos, internos e externos, ouvindo suas queixas, aceitando suas versões, buscando superar as contradições que levam a aquele resultado.

Relativizar as notas escolares, hoje, pode ser um bom começo;  depreende-se que a nota é resultante de uma estrutura baseada na memória e na retenção de informação. Ora, tomada estritamente, esta suposta qualidade mnemônica assemelha-se ao depositário de um “chip”, que está disponível na internet, o Google sabe mais de quantidade ou volume de informação do que a escola etc. A Escola que eu sonho é mais do que informação e memória, é aquela capaz de transformar a informação em algo subjetivo, agradável, pertinente, com sentido! Isto é o que se designa como aprendizagem significativa, que guarda sentido para a criança, para seu universo, para seu mundo. E dele, como sujeito, a criança poderá alçar aos mais longínquos horizontes.


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